AOS QUE VIERAM DEPOIS DE NÓS
Jovens companheiros,
recebam
o abraço de um náufrago da utopia de 1968, quando os melhores
brasileiros, muitos deles tão novos como vocês, percorreram esses mesmos
caminhos de idealismo e esperança, sem conseguirem levar a bom termo a
jornada.
Eram
tempos sem sol, em que só tinham testas sem rugas os indiferentes e só
se davam ao luxo de rir aqueles que ainda não haviam recebido a terrível
notícia.
Num
país de tão gritante desigualdade social, eu e meus amigos chegávamos a
ser tidos como privilegiados. E, tanto quanto a vocês, os reacionários
empedernidos e os eternos conformistas nos diziam: “Come e bebe! Fica
feliz por teres o que tens!”.
Da
mesma forma que vocês agora, um dia percebemos que nada do que fazíamos
nos dava o direito de comer quando tínhamos fome. Por acaso, estávamos
sendo poupados – ao preço de silenciarmos sobre tanta injustiça.
E
cada um de nós se perguntou: “Como é que eu posso comer e beber, se a
comida que eu como, eu tiro a quem tem fome? Se o copo de água que eu
bebo, faz falta a quem tem sede?”.
Escolhemos o caminho árduo dos que têm espírito solidário e senso de justiça.
Escolhemos o caminho árduo dos que têm espírito solidário e senso de justiça.
Poderíamos,
é claro, nos manter afastados dos problemas do mundo e sem medo
passarmos o tempo que se tem para viver na terra. Mas, não conseguíamos
agir assim. Viéramos para o convívio dos homens no tempo da revolta e
nos revoltamos ao lado deles.
Foi uma luta desigual e trágica. Muitos daqueles com quem contávamos preferiram a “sabedoria” de seguir seu caminho sem violência, não satisfazendo seus melhores anseios, mas esquecendo-os. E se tornaram inacessíveis aos amigos que se encontravam necessitados.
Foi uma luta desigual e trágica. Muitos daqueles com quem contávamos preferiram a “sabedoria” de seguir seu caminho sem violência, não satisfazendo seus melhores anseios, mas esquecendo-os. E se tornaram inacessíveis aos amigos que se encontravam necessitados.
Os
que sobrevivemos, ainda amargamos a incompreensão dos que se puseram a
falar sobre nossas fraquezas, sem pensarem nos tempos sem sol de que
tiveram a sorte de escapar.
E
assim transcorreram anos e décadas. Só nos restava confiar em que o
ódio contra a vilania acabaria endurecendo novos rostos e que a cólera
contra a injustiça um dia ainda faria outras vozes ficarem roucas.
A
espera chegou ao fim. Saudamos esse movimento que vocês iniciaram e
estão sustentando contra todas as incompreensões e calúnias, como o
renascer da nossa utopia.
Nós,
que tentamos e não conseguimos preparar o terreno para a amizade, temos
agora a certeza de que a luta prosseguirá. E a esperança de que vocês
vejam chegar o tempo em que o homem será, para sempre, amigo do homem. (texto publicado em 05/06/2007 no blogue Celso Lungaretti-O Rebate, logo após o desfecho vitorioso da ocupação da reitoria da USP, por meio da qual os universitários conseguiram derrubar quatro decretos autoritários do então governador José Serra)
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